PORTO ALEGRE – Como disse Noel Rosa, pode ser que “samba não se aprende no colégio,” mas o escritor gaúcho Luiz Antonio Assis Brasil está aí para provar que a construção de um romance pode, sim, ser ensinada em sala de aula.
A relação talento/ensino não é tão óbvia, no entanto. “Assim como nem todo mundo pode ser um pintor, um escultor, a vocação literária é inexplicável,” compara Assis Brasil. “Só aparece quando a pessoa, antes de tudo, tenha sensibilidade e conhecimento.”
E é com sensibilidade e conhecimento que Assis Brasil vem fazendo há quatro décadas uma das mais bem-sucedidas oficinas literárias do Brasil, responsável pela formação de novos escritores como Daniel Galera, Michel Laub, Paulo Scott e Vera Karam.
Representante de uma geração importante da literatura gaúcha, Assis Brasil surgiu nos anos 70, na mesma leva de nomes como Luis Fernando Verissimo, Moacyr Scliar, Sergio Faraco e Caio Fernando Abreu. Influenciado por Erico Verissimo – o maior dos escritores gaúchos – Assis Brasil muitas vezes usou o Pampa como cenário de suas obras, como é o caso de Concerto Campestre, que conta a história de um poderoso estancieiro que mantinha uma orquestra particular em suas terras.
Também enveredou por temas sensíveis. Em Videiras de Cristal, narrou como um grupo de imigrantes alemães lutou até a morte contra as forças da Guarda Nacional no século 19, liderados por uma mulher.
Agora, Assis Brasil – que faz 80 anos em junho – pensa em dar um tempo e diminuir o ritmo.
A pausa pode ter a ver com outra data redonda que ele comemora este ano: seus 50 anos como professor universitário. Agora, o excesso de trabalho o obriga a repensar suas prioridades.
“Não tenho naturalmente o mesmo vigor, e as aulas presenciais se tornam fisicamente penosas,” constata. “Me aposento da PUCRS, isto é, do meu emprego formal; não me aposento da literatura, nem de cursos eventuais, que podem ser na própria universidade ou mesmo externos a ela.”
A última aula do Professor Assis Brasil foi em 27 de novembro. Como a ocasião poderia transcender o espaço característico de uma sala, a universidade lhe ofertou o auditório. O local permitiu assim que mais alunos (de várias épocas, de diversas turmas) pudessem prestigiá-lo. No encontro, coincidência ou não, Assis Brasil falou sobre “O final do romance”. Sua intenção era destacar a importância de se valorizar os capítulos derradeiros de uma história.
Nesse balanço de vida pessoal e artística que a situação permite, Assis Brasil tem certeza de que a criação da oficina literária foi sua maior realização profissional.
Quando teve a ideia, em meados da década de 80, Luiz Antonio de Assis Brasil já atuava como professor e tinha também meia dúzia de títulos publicados, entre eles o seu bem recebido livro de estreia, Um Quarto de Légua em Quadro. Lançada em 1976 pela Editora Movimento, a obra focaliza um assunto caro ao autor: os primórdios da colonização açoriana no sul do Brasil. Anos mais tarde, o livro seria adaptado para o cinema num filme dirigido por Paulo Nascimento, o Diário de um Novo Mundo.
Se acredita que o ensino específico da escrita pode ajudar na formação de um autor, ele acredita mais ainda que um escritor nasce de uma combinação mais complexa, que inclui muita leitura, muita escrita, muito escutar os outros, muito ler a crítica e – se puder e quiser – frequentar uma oficina literária.
Em outras palavras: uma oficina ajuda, mas a preparação deve ser mais ampla e abrangente.
Citando o próprio caso como exemplo, Assis Brasil lembra que ele surgiu numa época em que não havia oficinas literárias. Cabia a cada autor encontrar o seu caminho, buscar suas inspirações e moldar – vá lá – seu próprio estilo. Assis Brasil seguiu esse método: “Tive oficinas ‘informais’, como uma tarde em que passei conversando com Autran Dourado – eu, cheio de perguntas.”
O autor falou também da sorte que teve de cruzar com pessoas generosas, “que tiveram a paciência de ler meus primeiros livros e me dizerem o que estava errado”.
Como inspiração maior, ele cita o exemplo de um outro autor, bem distante no espaço e no tempo. “Um grande escritor, Maupassant, disse que não escreveu nada durante o período em que ficou aprendendo com Flaubert; só depois tornou-se escritor”.
Como a escrita também nasce primordialmente da leitura, Assis Brasil considera fundamental que qualquer um que se disponha a escrever saiba ser um leitor atento. Mas é pessimista. “A escola, em nosso País, vai de mal a pior. O panorama é desolador. Como formar leitores nesse quadro?”
Porém, ultrapassada essa imensa barreira, o desafio segue grandioso. Aí o importante é filtrar as leituras e saber o que aproveitar de cada influência.
Citando novamente a si próprio como exemplo, o autor desconfia da eficácia do reconhecimento pelos prêmios literários. “Quando ganhei o Prêmio Jabuti, me orgulhei, mas com o passar do tempo, me dei conta de que não fiquei melhor ou pior escritor”.
E quem tanto fez pela ficção poderá agora, com tempo e reflexão, se dedicar a uma obra de caráter memorialístico e autobiográfico?
“Olha, minhas memórias quero guardá-las para mim, na forma em que minha imaginação as distorce a cada dia. Seria, portanto, uma desonestidade com o leitor.”