O ESG é reducionista.
Fernando Modé estuda o tema da sustentabilidade há décadas. Já se vão 21 anos que o hoje CEO do Grupo Boticário publicou seu primeiro livro na área, sobre direito ambiental, uma de suas especialidades.
Agora, Modé acredita que o acrônimo ESG (ambiental, social e governança, no inglês) não engloba mais a complexidade do tema.
“Fomos diluindo práticas já incorporadas sob uma perspectiva que se apresentou como nova, mas que, no final das contas, tinha pouco fundamento,” Modé disse ao Brazil Journal. “Em alguns casos, há retrocesso.”
Apesar de ter se tornado sinônimo de desenvolvimento sustentável nos últimos anos, o ESG tem regras reducionistas, metas muitas vezes ininteligíveis, e se tornou em grande medida uma ferramenta de marketing. Muitas empresas que assinaram compromissos públicos de redução das emissões e aumento da diversidade, por exemplo, não tinham planos concretos para isso, nem orçamento, e a promessa serviu apenas para as fotos de divulgação.
Essas inconsistências – que muitos consideram apenas a boa e velha hipocrisia – acabaram tendo um efeito polarizante, e a consequência são os movimentos anti-ESG que surgiram nos últimos anos, especialmente nos Estados Unidos.
O backlash levou uma série de grandes empresas a rever seus programas de diversidade, o alvo preferido dos detratores da sigla. Entre elas estão Ford, Toyota, John Deere e Jack Daniel’s.
A saída para quem permanece fiel à agenda, segundo Modé, é um back to basics. Ele propõe um retorno aos princípios da responsabilidade social corporativa, ideia precursora do ESG que estabelece o conceito de cidadania corporativa. Mais do que instrumentos de geração de lucro e enriquecimento individual, as empresas são parte ativa da sociedade e devem, portanto, ser responsabilizadas financeiramente pelo impacto que geram.
Ele cita como exemplo dessa dinâmica a questão do capital natural, discutida duas décadas atrás em seu livro sobre direito ambiental.
“Excluir o capital natural dos custos de produção é como acreditar que é possível fazer um bolo apenas com tigela, colher e trabalho,” disse o CEO. Pagar pelo carbono liberado com a queima de combustíveis fósseis é, portanto, responsabilidade de quem o faz.
Já na parte social, é obrigação da “empresa cidadã” contribuir para a redução da desigualdade social, trabalhando para elevar a renda das comunidades em que atua e incluir grupos minorizados, como negros e indígenas.
Sob o risco de cair no reducionismo criticado por Modé, o modelo pode ser definido pela ideia de gerar valor compartilhado, em que a preocupação não está apenas no lucro da empresa, mas no lucro de todas as partes envolvidas, no que se convencionou chamar de “capitalismo de stakeholder”.
“Você precisa ter uma correlação daquilo que está apontando como virtude com a prática real,” diz. “É preciso colocar amor nos negócios, como diz o nosso fundador Miguel Krigsner.”
Para o Grupo Boticário, a receita é mais amor, menos ESG.
Um exemplo prático disso é o ativismo da empresa em favor do empreendedorismo feminino.
Em setembro, o grupo levantou R$ 1,15 bilhão com a emissão de um sustainability-linked bond para financiar a construção de sua nova fábrica.
A emissão saiu a CDI + 1,10% e foi a primeira desse tipo no Brasil.
Até 2030, o Grupo Boticário se comprometeu a capacitar 1 milhão de pessoas em seu programa Empreendedoras da Beleza, de cursos profissionalizantes.
No mês passado, lançou uma campanha em favor do empreendedorismo feminino, que inclui um fundo de fomento a iniciativas de mulheres no mercado de beleza.
É uma forma de alcançar dois públicos de interesse: as vendedoras porta-a-porta e os pequenos salões de beleza.
No caso dos salões, trata-se de um mercado em franca expansão. Dados do Sebrae mostram que, até setembro deste ano, foram abertos 170 mil CNPJs ligados ao setor de beleza, em sua grande maioria MEIs.
São mulheres que prestam serviços em casa para clientes no bairro ou pequenos empreendimentos de garagem.
O CNPJ permite que elas tenham acesso às linhas profissionais das marcas de cosméticos, segmento em que o Boticário atua com o e-commerce Beleza na Web Pro. O site vende produtos profissionais, inclusive de concorrentes, como a L’Oréal, líder do segmento no Brasil.
“Não precisamos inventar nada; pegamos o que já fazíamos e calibramos,” diz Modé. “Isso se chama consistência.”
Consistente, também, tem sido a perda de investimentos dos fundos categorizados como ESG. Segundo dados da Morningstar, uma consultoria, no primeiro semestre deste ano, a saída foi de US$ 8,8 bilhões; em 2023, chegou a US$ 13 bilhões.
O amor precisa de cuidados – tanto no romance quanto no mercado.