“Dentro, simbolicamente, de uma carruagem, ao lado do oceano que liga todos os continentes do nosso planeta, pretendo iniciar essa viagem de aceitar ser candidato às eleições presidenciais de 2026!” Foi assim, com esta grandiloquência que, formalmente, se apresentou o primeiro candidato às próximas eleições Presidenciais portuguesas.
Deixemos, por agora, de lado a ligação do comboio ao oceano, forçada, para não dizer potencialmente desastrosa. Fechemos os olhos ao “estar ao lado do Oceano que liga todos os continentes”, quando oceanos há pelo menos cinco e o homem só estava ali em Oeiras, caramba, onde ainda mal está a deixar de ver o Tejo. Façamos de conta, por um momento, que a ligação ao mundo é a tarefa mais importante de um Presidente da República e não, para aí, a décima-sétima. O mais divertido nesta épica apresentação da candidatura de André Pestana, até aqui, coordenador do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (STOP), parecendo gritada da gávea de um navio enfrentando a tempestade em mar-alto, é que ela nem sequer aconteceu a bordo do comboio suburbano da linha de Cascais, nalguma viagem Cais do Sodré – Cruz Quebrada; foi mesmo numa antiga carruagem desactivada, há muito transformada em bar.
O tom foi inspirador. Confesso, leitor, que eu próprio me senti impelido a avançar, diante deste bitoque, ao almoço, aqui na taberna do bairro: “E é daqui, compatriotas, em frente a este animal selvagem simbolicamente mal passado, olhando a batata frita das Américas e a salada vinda da terra conquistada com o sangue e o suor dos nossos egrégios avós, que aceito ser candidato às eleições Presidenciais de 2026!” E logo à parte, para o futuro ajudante de campo: “passa aí a mostarda, se queres ver”.
Pestana foi o primeiro, mas, entretanto, também o ADN já anunciou o apoio à candidatura de Joana Amaral Dias, enquanto Mário Centeno e Gouveia e Melo permitem que se alimente todas as especulações acerca das suas próprias candidaturas, um aproveitando todos os púlpitos para falar ao país, num papel pouco visto na habitualmente discreta figura de governador do Banco de Portugal, e o outro retirando-se da Marinha para recuperar a “liberdade” dos seus “direitos cívicos”.
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É certo que será sempre precisa certa dose de ego para uma pessoa acordar um dia e decidir candidatar-se ao lugar de Presidente de todas as outras. Não sei como é com o meu amigo ou a minha amiga que me lê, mas, pessoalmente, não me queria a mim mesmo nem para administrador do condomínio. Mas certas figuras, de tempos em tempos, sentem-se com as qualidades necessárias para liderar todas as outras e ainda bem, que isto é preciso quem se chegue à frente. A questão estará na dosagem. No fim, o que é maior: o ego ou o país? Satisfazer a missão que me foi confiada ou a minha vaidade?
No caminho para as Presidenciais de 2026, tudo aponta para que tenhamos um professor que diz não ser de esquerda nem de direita, mas que foi dirigente do MAS – Movimento Alternativa Socialista, e que fundou e lidera um sindicato que insiste em parar as escolas, mesmo agora que está em funções o governo que, depois de anos de luta, finalmente deu aos professores as actualizações salariais correspondentes aos célebres “seis anos, seis meses e 23 dias de serviço” que tanto reclamaram e que estavam congelados desde o tempo da Troika. Uma comentadora política que já foi deputada pelo Bloco de Esquerda, candidata à Câmara de Lisboa pelo Nós, Cidadãos, mandatária de uma candidatura de Mário Soares à Presidência apoiada pelo Partido Socialista e candidata a eurodeputada pelo ADN, antigo PDR fundado de Marinho e Pinho. Um governador do Banco de Portugal, que transitou para lá vindo directamente do Ministério das Finanças e que se disponibilizou para suceder a António Costa como primeiro-ministro sem ir sequer a eleições. E um almirante da Marinha que se despediu da Chefia do Estado Maior da Armada com uma revista onde se exaltam os seus feitos e surge retratado de braço dado com o rei Dom João II e que, no mínimo, tem deixado que toda e qualquer notícia da Marinha não seja sobre a instituição, mas sobre ele mesmo.
Será de mais pedirmos para Presidente alguém que esteja preocupado com os interesses do país e não com os seus próprios? Se alguém não se importa de sacrificar a educação de centenas de milhares de crianças e jovens à promoção da sua imagem; desbaratar, sucessivamente, a confiança dos eleitores deste e daquele partido que, depois, se abandona em favor da melhor proposta seguinte; ou mesmo secundar o prestígio de funções e instituições como o Banco de Portugal ou as Forças Armadas às suas ambições pessoais – o que esperam que os Portugueses esperem que eles façam da Presidência da República? Um lugar ao serviço do povo?
Por aqui, temos dito e escrito que nos parece precoce todo este debate em torno do próximo inquilino de Belém, quando, de caminho, ainda faltam umas Autárquicas e, quem sabe, mais quantas Regionais na Madeira, e que essa precipitação da bolha politico-mediática pode ser sintomática de um perigoso desfasamento entre representantes políticos, opinião publicada e preocupações do país real. Mas talvez estejamos enganados. Pelo andar da carruagem – trocadilho inocente, André Pestana, até porque a sua está parada – as próximas Presidenciais ameaçam ser umas Autárquicas em esteroides, um festival de personalidades que confundiram psicologia e ciência política, o seu umbigo com o país e que querem agora fazer do Presidente da República uma espécie de super-Presidente da Junta de um Portugal cada vez mais dos Pequenitos.
Dito tudo isto, fica, ainda assim, o mistério: porque é que alguém, nos dias que correm, quererá tanto ser Presidente e logo num país como Portugal? Não se ganha assim tão bem, não se tem quase poder nenhum, as chatices são mais que muitas… Vaidade das vaidades, tudo é vaidade. Ou então, é pela casa. Bem vistas as coisas e aos preços de hoje, mesmo considerando todos os recursos necessários a financiar uma campanha eleitoral, um contrato de arrendamento para cinco a dez anos no Palácio de Belém ainda é capaz de sair o metro quadrado mais barato de Lisboa.