No documento submetido pelos profissionais ao diretor geral daquela unidade de saúde, a que a Lusa teve hoje acesso, os médicos queixam-se da falta de pagamento referente aos seis meses de trabalhos extras prestados este ano, além de quatro meses de 2024.
Existe também, segundo os médicos, um grupo que não recebeu qualquer valor relativo ao exercício de 2024, sob a alegação de que auferem subsídio de turno, distinção que não encontra, para os profissionais, um “respaldo nos diplomas legais aplicáveis”.
Debate: Braço de ferro entre médicos e Governo moçambicano
“Dessa forma, a manutenção de trabalho extraordinário sem a correspondente compensação pecuniária configura exploração laboral, violando não só os direitos profissionais dos médicos, mas também princípios fundamentais da Função Pública”, refere-se no documento citado pela Agência Lusa.
A classe descreveu-se como “profundamente exaurida”, pela forma “reiterada e quase vexatória” que tem de reclamar aquilo que “por direito próprio e por imperativo legal” lhe é “inequivocamente” devido.
“Doravante, não mais procederemos a cobrança dos pagamentos atinentes ao labor extraordinário, sejam eles relativos ao exercício económico de 2024 ou ao corrente ano de 2025, porquanto se encontra amplamente demonstrado que tal direito foi reiterada e gravemente vilipendiado”, explicou a classe, assinalando que o silêncio estatal, “prolongado e calculado”, converteu-se em autêntico instrumento de exploração laboral.
Atendimento somente nas horas normais de expediente
“Assim sendo, a partir de 01 de novembro de 2025, a atividade laboral dos médicos do Hospital Central de Nampulacircunscrever-se-á, em absoluto, ao horário ordinário da Função Pública, compreendido entre as 07:30 as 15:30, de segunda a sexta-feira, em estrita conformidade com o Decreto n.º 28/2022″, acrescenta-se.
Os médicos do HCN assinalaram também que os profissionais, até então vinculados ao regime de trabalho extraordinário, não mais se sujeitarão ao sistema de turnos, pelo facto deste integrar um conjunto de encargos que o Governo, de modo “reiterado e injustificável”, se absteve de remunerar, não obstante a sua contínua imposição.
“Reitera-se, com a devida ênfase, que esta decisão não configura abandono de funções, mas antes o exercício responsável, legítimo e juridicamente escudado da atividade médica, em consonância estrita com os limites normativos em vigor”, reitera-se, salientando que a decisão, muito mais que “boa-fé”, demonstra o espírito de oferecer ao Governo uma “solução honrosa”.
Reitera-se, no documento, que a paralisação não constitui greve, mas o exercício do direito legítimo de recusar a execução de trabalho extraordinário não renumerado, “em conformidade com a lei e em repúdio a um regime de exploração laboral que não encontra amparo jurídico”.
O setor da saúde enfrenta, há três anos, greves e paralisações convocadas pela Associação dos Profissionais de Saúde Unidos e Solidários de Moçambique (APSUSM), que abrange cerca de 65.000 profissionais de saúde de diferentes departamentos. O Sistema Nacional de Saúde moçambicano enfrentou também, nos últimos dois anos, diversos momentos de pressão, provocados por greves de funcionários, convocadas pela Associação Médica de Moçambique (AMM) exigindo as melhorias das condições de trabalho.
O país tem um total de 1.778 unidades de saúde, 107 das quais são postos de saúde, três são hospitais especializados, quatro hospitais centrais, sete são gerais, sete provinciais, 22 rurais e 47 distritais, segundo os dados mais recentes do Ministério da Saúde.