O Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló anunciou hoje que viaja para Moscovo para reunir-se com o seu homólogo Vladimir Putin. Sem dar mais detalhes, a presidência guineense avança apenas que o chefe de Estado “chega à capital russa para a sua primeira visita de Estado à Rússia”.
A viagem acontece numa altura em que a oposição e a sociedade civil alertam para o agudizar da tensão interna, quando faltam 48 horas para o fim do seu primeiro mandato presidencial.
Mas Sissoco diz que o seu mandato só termina em setembro e que vai marcar eleições gerais para 30 de novembro. A oposição discorda e anuncia “paralisação total” a partir de sexta-feira, mas o Ministério do Interior promete mão pesada contra o que chama de “desordem”.
Está no país uma missão de mediação da Comunidade Económica de Estados da África Ocidental (CEDEAO), que, entretanto, foi acusada de reunir-se apenas com as alas que apoiam o Presidente guineense.
Sobre este “imbróglio”, a DW conversou com o presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos, o jurista Bubacar Turé, que começou por criticar as ameaças das forças da ordem contra os manifestantes que pretendem sair à rua em protesto na próxima sexta-feira (28.02).
DW África: Como é que a sociedade civil reage às ameaças feitas hoje pelo Ministério do Interior contra os protestos anunciados para sexta-feira?
Bubacar Turé (BT): É mais uma exteriorização do que tem sido o modus operandi deste regime autoritário, ou seja, é um regime intolerante e insensível aos direitos humanos e é um regime que não quer ser escrutinado, que não quer ser criticado e que não quer que os cidadãos exerçam as suas liberdades fundamentais. A liberdade de manifestação não está ao alcance do Ministério Interior, não depende de caprichos de quem quer que seja, é um direito de dignidade constitucional. Por isso, esta declaração é mais uma ilegalidade, é mais um comportamento autoritário, é mais um comportamento ditatorial que o Ministério Interior, que no fundo é hoje transformado num instrumento de repressão.
DW África: Em plena tensão política, o Presidente anuncia uma viagem oficial, uma viagem de Estado à Rússia, enquanto a oposição diz que o seu mandato termina dentro de 48 horas e também numa altura em que está no país a missão da CEDEAO. Como é que vê esta visita de Estado?
BT: É mais uma tentativa de tentar sair do isolamento político e social em que se encontra, porque o Presidente da República sabe, e todo o mundo sabe, ele e os seus apoiantes sabem perfeitamente que o mandato dele termina irreversivelmente no dia 27 de fevereiro. Isso é um dado assente. Todas as manobras, as decisões ilegais e inconstitucionais encomendadas junto do Supremo Tribunal de Justiça, que se encontra sequestrado hoje, não têm nenhum valor jurídico. Portanto, esta visita não tem nenhum interesse para o povo guineense.
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DW África: Enquanto sociedade civil, também concorda com alguns setores, sobretudo os partidos da oposição, que dizem que a missão da CEDEAO fracassou por deixar de lado partes legítimas que representam a oposição?
BT: Claramente. Nós pensamos que a CEDEAO, se quiser efetivamente ajudar a Guiné-Bissau a sair desta grave crise que bloqueou completamente todas as instituições democráticas e que está conduzindo a Guiné-Bissau para o caminho do abismo, tem a obrigação de ouvir todos os atores relevantes, quer políticos como a sociedade civil. A CEDEAO adotou, de facto, um comportamento de exclusão, um comportamento tendencioso.
Aquilo que aconteceu com os partidos políticos é o mesmo que está a acontecer com as organizações de sociedade civil, ou seja, a CEDEAO convidou, mandou uma carta na semana passada ao espaço de Concertação das Organizações de Sociedade Civil, enquanto ator-chave da sociedade civil, e nesta carta diz que ia confirmar o local, a hora e a data do encontro. Até hoje, pura e simplesmente, a CEDEAO não mandou nenhuma carta, o que significa que, por interferência grosseira, por orientação de alguém estranho, que devia ser estranho na agenda da CEDEAO, a CEDEAO acabou por mudar de estratégia, decidindo excluir o espaço de concertação- deste processo.
DW África: Ou seja, esta missão não vai resolver o problema, mas sim agudizar ainda mais a tensão?
BT: Obviamente. A CEDEAO é um sindicato de chefes-estados. A CEDEAO não consegue hoje resolver minimamente os seus problemas internos, não consegue fazer cumprir os seus próprios instrumentos internos, o protocolo de boa governação e demais instrumentos, o seu próprio estatuto fundador. É uma estrutura que provavelmente está condenada ao fracasso.