Moçambique. Pelo menos 77 viaturas da saúde foram destruídas desde o início das manifestações pós-eleitorais, com um custo estimado (pelo Governo) em 14,3 milhões de euros artigos médicos perdidos com a destruição do centro de abastecimento de medicamentos.
Por Orlando Castro
O ministro da Saúde, Armindo Tiago, diz que “nós temos até agora mais de 77 viaturas entre vandalizadas e destruídas e destas pelo menos 55 estavam na central de abastecimento e inclui viaturas novas que ainda deviam ser distribuídas pelos país”.
O responsável falava durante uma visita a unidades hospitalares da cidade de Maputo, em que revelou que um dos armazéns do centro de abastecimento de medicamentos incendiado em Maputo por manifestantes após a proclamação dos resultados da fraude eleitoral levada a cabo pela Frelimo.
“Roupa hospitalar estava lá, compramos roupa hospitalar para 70 mil funcionários do Serviço Nacional de Saúde, que inclui sapatos medicinais, batas, calças, luvas, tudo estava lá e só isso está avaliado em 10 milhões de dólares (9,5 milhões de euros), incluindo o chamado material necessário para fazer gessos em bruto também estava lá”, disse Armindo Tiago, referindo-se a outros materiais hospitalares perdidos na sequência do incêndio.
O governante disse que Moçambique precisará de pelo menos dois anos para recuperar dos impactos dos actos de vandalismo e destruições no sector da saúde, destacando que levará pelo menos um ano para conseguir requisitar e receber os materiais médicos incendiados no centro de abastecimento de medicamentos.
“Mas o maior problema é que aquele é um armazém – nós também temos produtos que hão-de chegar -, como ele está destruído, neste momento teremos de encontrar alternativas para colocar os equipamentos, insumos médicos que chegam ao país”, apontou Armindo Tiago.
Pelo menos 252 pessoas morreram nas manifestações pós-eleitorais desde 21 de Outubro, metade das quais apenas desde o anúncio dos resultados finais, na segunda-feira, segundo novo balanço da plataforma eleitoral Decide.
Desde segunda-feira, aquela organização não-governamental contabilizou 224 pessoas baleadas, número que sobe para 569 desde o início da contestação, em 21 de Outubro, além de 4.175 detidos.
O Conselho Constitucional de Moçambique proclamou na segunda-feira Daniel Chapo, candidato apoiado pela Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, no poder há 49 anos), como vencedor da eleição a Presidente da República, com 65,17% dos votos, sucedendo no cargo a Filipe Nyusi, bem como a vitória da Frelimo, que manteve a maioria parlamentar, nas eleições gerais de 9 de Outubro.
Este anúncio provocou o caos em todo o país, com manifestantes pró-Venâncio Mondlane – que segundo o Conselho Constitucional obteve apenas 24% dos votos – nas ruas, barricadas, pilhagens e confrontos com a polícia, que tem vindo a realizar disparos para tentar a desmobilização.
Enquanto isso, Portugal o país colonizador que – como fez em Angola com o MPLA – ofereceu Moçambique à Frelimo, diz que “tomou nota da proclamação do Conselho Constitucional de Moçambique sobre a conclusão do processo eleitoral, que indica Daniel Chapo como Presidente eleito de Moçambique”.
Anotar é a única coisa que Portugal sabe fazer, desde – é claro – que Moçambique fique nas mãos da Frelimo e Angola nas do MPLA. Seria diferente e, de facto, nas eleições tudo foi diferente, mas a fraude permitiu que tudo continuasse na mesma, tal como planeado por Portugal em 1975.
“O Governo português está disponível para trabalhar com o novo Presidente e com o Governo moçambicanos em prol do reforço dos laços estratégicos entre os dois países, na continuidade dos laços históricos de amizade entre os dois povos. Reafirmamos a vontade de Portugal em se manter como parceiro-chave, contribuindo para o progresso sustentável e a paz em Moçambique. Portugal é, e deseja continuar a ser, o principal parceiro de Moçambique em matéria de cooperação internacional”, dizem – com a monumental e criminosa hipocrisia que os caracteriza – o Executivo de Luís Montenegro e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Lisboa acrescenta que “Portugal lamenta profundamente os episódios de violência que marcaram o período pós-eleitoral em Moçambique, causando inúmeras perdas humanas e intensificando as tensões políticas e sociais no país. A paz e a estabilidade social em Moçambique são valores inestimáveis, que devem ser salvaguardados na fase de transição política que agora se inicia”. Traduzindo: a Frelimo é Moçambique e Moçambique é da Frelimo.
“Esperamos que o novo ciclo governativo reflicta um compromisso de inclusão, em espírito de diálogo, capaz de responder aos desafios sociais, políticos e económicos que o país enfrenta. Torna-se por isso essencial que as novas autoridades moçambicanas possam iniciar quanto antes um debate político inclusivo com as forças da oposição e representantes da sociedade civil que reforce a coesão nacional, garanta a estabilidade social e fomente o progresso e desenvolvimento do povo moçambicano. Nesse debate, afigura-se importante considerar a reforma do processo eleitoral moçambicano, seguindo as recomendações da União Europeia e da CPLP”, diz Portugal, julgando que os moçambicanos são matumbos. Tal como os angolanos, somos pobres mas não somos matumbos.
Apesar das múltiplas vigarices reveladas por muitos observadores internacionais, as ordens eram claras. Assim, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) moçambicana anunciou a vitória de Daniel Chapo (Frelimo), e Portugal – tal como o MPLA – abriu as garrafas de champanhe.
As eleições gerais do dia 9 incluíram as sétimas presidenciais – às quais já não concorreu o actual chefe de Estado, Filipe Nyusi, que atingiu o limite de dois mandatos – em simultâneo com legislativas e para assembleias e governadores provinciais.
O processo eleitoral de 2024 foi fortemente criticado por observadores internacionais, que apontam várias irregularidades. Recorde-se que a Missão de Observação Eleitoral da União Europeia (MOE UE) às eleições gerais moçambicanas afirmou que constatou “irregularidades durante a contagem e alterações injustificadas” dos resultados eleitorais que precisam de ser esclarecidas.
“A MOE UE constatou irregularidades durante a contagem e alterações injustificadas dos resultados eleitorais a nível das assembleias de voto e a nível distrital”, lê-se num comunicado divulgado pelos observadores.
A Missão de Observação Eleitoral da União Europeia iniciou as suas actividades em Moçambique em 1 de Setembro de 2024 e destacou 179 observadores para o dia das eleições, tendo emitido uma declaração preliminar em 11 de Outubro, sobre o processo eleitoral.
“A MOE UE continuou a observar o processo eleitoral, embora os observadores da UE tenham sido impedidos de observar os processos de apuramento em alguns distritos e províncias, bem como a nível nacional”, lê-se.
No comunicado acrescenta-se que “como medida para contribuir para a confiança e integridade do processo eleitoral”, a MOE UE “reitera o seu apelo aos órgãos eleitorais para que conduzam o processo de apuramento de uma forma transparente e credível, assegurando a verificação dos resultados das mesas de voto”.
“A publicação dos resultados desagregados por mesa de voto não é apenas uma questão de boas práticas, mas também uma forte salvaguarda para a integridade dos resultados”, declarou a chefe da missão, Laura Ballarín, citada no comunicado.
“Tendo em conta as tensões sociais e a violência eleitoral registadas nos últimos dias, a MOE UE reitera a sua condenação dos assassinatos de Elvino Dias e Paulo Guambe [advogado de Venâncio Mondlane e mandatário do Partido Podemos, que o apoia, respectivamente], e apela à máxima contenção de todos e ao respeito pelas liberdades fundamentais e direitos políticos”, acrescenta-se no comunicado.
A MOE UE afirma ainda “que é da responsabilidade da administração eleitoral esclarecer as irregularidades e do Conselho Constitucional resolvê-las durante o processo de validação dos resultados, no respeito pela vontade dos eleitores”.