Parecia que estava escrito. “Não queiram ganha o jogo em cinco minutos, não vale a pena”, ia dizendo Paulo Pereira na primeira pausa técnica que pediu no encontro entre Portugal e Alemanha, quando a vantagem de quatro golos conquistada nos dez minutos iniciais se começava a esfumar de 5-1 para 7-5. O selecionador não teria propriamente uma bola de cristal para adivinhar que o último jogo dos quartos do Mundial iria mesmo para prolongamento com dez minutos extra mas tinha total consciência de que o controlo emocional seria a chave para fazer mais história. Foi isso que aconteceu. Quando os germânicos passaram para a frente por dois golos com menos de 20 minutos por jogar, na sequência da expulsão de Luís Frade e de exclusões que chegaram ao banco, o cenário mudara por completo. Afinal, era apenas mais um desafio superado.
Portugal tem sete vidas em termos ofensivos. A defesa pode atravessar períodos melhores ou um pouco menos conseguidos mas quer o 6:0, quer o 5:1, quer os esboços de 3:2:1, quer os dois guarda-redes (Diogo Rêma e Gustavo Capdeville) dizem presentes na hora certa. À frente, há sempre algo mais. Kiko Costa foi um baluarte na segunda parte do tempo regulamentar, Pedro Portela surgiu como chave nos lances decisivos antes do prolongamento, Victor Iturriza quase chegou aos 100% de eficácia em oito remates. No tempo extra, apareceu quem andava mais “escondido”. Martim Costa, a grande referência da nova geração e da Seleção, assumiu a responsabilidade para marcar três golos decisivos incluindo o decisivo a poucos segundos do fim. O que se viu a seguir foi apenas a mais pura das reações de quem desafiou o impossível.
Martim tirou a camisola a mostrou-a para a zona das bancadas onde estava concentrada a falange de apoio da Seleção em Oslo, os restantes jogadores foram a correr na direção, alguns acabaram por cair de joelhos agarrados à cara entre muita emoção. Foram muitas as lágrimas, foi ainda mais a alegria. A Alemanha, que contou com um Andreas Wolff gigante na baliza a fazer 21 defesas, nem queria acreditar naquilo que se tinha passado, quase como “vingança” da atribuição do quinto e sexto lugares no Europeu de 2020 que deu início à caminhada da nova Geração de Ouro que vai batendo os melhores resultados de sempre em Campeonatos do Mundo e da Europa além da primeira participação de sempre nos Jogos Olímpicos.
“Cume do Evereste? Estamos no último acampamento. Temos de ficar mais umas horas para perceber se as condições são favoráveis para continuarmos a subir. Sabemos o que é a Dinamarca. É preciso haver uma série de fatores que se reúnam mas o mais importante é ter um grupo de jogadores com estas características. Garanto que vamos para cima deles”, atirou Paulo Pereira, selecionador nacional que viveu de forma emotiva tudo o que aconteceu na Unity Arena depois de um encontro desgastante para todos os intérpretes.
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“Não sabíamos bem o que ia acontecer no início, estivemos à procura de soluções com a questão do Miguel [Martins] e do Cavalcanti [lesão], a quem também, como posso dizer, dedicamos este percurso. Fomos encontrando soluções, com toda a gente disponível para ajudar, e cada vez mais sinto que este grupo tem um coração maior. Por vezes, não sei onde é que eles vão buscar forças para continuar enfrentando essas adversidades, e isso, de certa forma, é comovente, ver como lutam”, salientou o selecionador nacional.
“Eu tenho uma pedra escrita e umas das coisas que tem lá é WC, World Champion [Campeão do Mundo]. A minha sensação é que um dia poderia ganhar uma medalha. Não sei se vai ser neste Campeonato mas o que é certo é que estamos muito perto. Claro que para que isso aconteça temos de ganhar ao tricampeão mundial. É realmente uma montanha muito alta para escalar. Eles lutaram até ao fim, lutaram contra o pré-estabelecido. Tudo isto tem a ver com o coração destas pessoas”, referiu. “O Iturriza teve de chegar-se à frente com a expulsão do Frade, o que fez com que lhe atribuíssemos praticamente o tempo todo de jogo em termos defensivos e ofensivos. E marcou 7 golos ao Wolff… Acho que foi o melhor jogo que o vi fazer. Ao Martim disse-lhe que ia fazer um grande jogo, sentia isso, mas no início percebi que provavelmente me tinha equivocado. Mas entrou, esta parte final foi um coisa brutal e marca o golo da vitória”, acrescentou.
“Já sabíamos que ia ser um jogo extremamente complicado. Íamos jogar contra uma equipa que foi à final dos Jogos Olímpicos este verão. Tem um atleta de alto nível, um guarda-redes de topo mundial, que é difícil abatê-lo. Mas acho que, à imagem do que temos vindo a fazer neste Campeonato do Mundo, tivemos uma força inacreditável. No ataque fomos criando em algumas situações, mas também fomos falhando em bastantes situações aos seis metros. Eu próprio acho que falhei em bastantes situações aos seis metros que não costumo, mas começámos muito bem na primeira parte. Criámos alguma diferença em dois ou três golos. Depois na segunda parte sofremos um bocado, conseguimos ter possibilidade de ganhar. E a bola entrou. Podia ter falhado, podíamos ter mandado a lado, mas entrou”, comentou Martim Costa.
“Não gosto de me esconder. As coisas podem não estar a correr bem mas acho que deixar de atacar ou deixar de ser o mesmo, porque as coisas não estão a correr bem, não é a solução. Os primeiros 60 minutos foram duros para mim. Não estava no melhor mas consegui aparecer no momento em que tinha que aparecer. Consegui ajudar a seleção. Não me escondi. Quando tem que ser, tem que ser. Se tiver que falhar, falho eu. Assumo as consequências. Marquei. Estamos todos felizes. Agora é festejar e aproveitar. Indicação do Rui Silva? Disse que eu ia marcar e rebentar com eles e assim foi, rebentei com eles”, completou.