Mais de metade dos cidadãos que procuraram algum serviço público considera que a Polícia Nacional é a instituição mais corrupta, segundo um estudo da Afrobarometer divulgado recentemente.
O documento, elaborado este ano, avança que entre as pessoas que procuraram por alguns serviços públicos durante o ano anterior, mais de metade (56%) afirma ter tido de pagar um suborno para obter assistência da polícia, 38% para evitar problemas com a polícia. Ou seja, seis em cada 10 pessoas consideraram a instituição tutelada pelo Ministério do Interior a mais propensa à corrupção.
De acordo com o estudo do Afrobarometer, uma rede de pesquisa pan-africana, Angola, tal como a maioria dos países africanos, enfrenta uma corrupção endémica do tipo “pequena corrupção”, que afecta a maioria das instituições públicas, sendo que quase metade dos inquiridos no estudo deste ano (48%) pagaram subornos para obter um documento de identidade do Governo, como certidão de nascimento, carta de condução ou passaporte, um aumento de 9 pontos percentuais em comparação a 2019. Já para o acesso a cuidados médicos, 31% dos inquiridos garantiram ter pago para receber assistência médica.
Apesar de melhorias no combate à corrupção que constam nalguns relatórios internacionais, como o que avalia o Estado de Direito pelo Projecto Justiça Mundial, ou o Índice de Percepção da Corrupção, da Transparência Internacional, ainda há muito a fazer no País para levar de vencida esta luta, admitem especialistas consultados pelo Expansão. “Isto é muito pouco para um país com ambições, somos um povo que se orgulha dos seus feitos e não podemos pensar que as melhorias registadas desde 2019 são suficientes para todos nós”, disse recentemente ao Expansão o coordenador do Observatório Político e Social de Angola (OPSA), Sérgio Calundungo.
Apesar das melhorias verificadas, sobretudo depois de 2017, quando João Lourenço assumiu a presidência, Angola mantém-se na cauda destes relatórios. Liderado pela Dinamarca, com 90 pontos, num total de 180 países, Angola ocupa a 121ª posição no ranking da Transparência Internacional, com 33 pontos em 100 possíveis. Na governação de José Eduardo dos Santos, em 2017, o País ocupava o lugar 167.º lugar, com 16 pontos. O inquérito do Afrobarometer mostra que a luta contra a corrupção ainda esbarra em muitos entraves, com um número crescente de angolanos a considerar que está a aumentar. Mais de metade (54%) dos inquiridos dizem que a corrupção aumentou durante o ano anterior ao inquérito, 21 pontos percentuais a mais do que em 2019.
E a culpa poderá estar na fragilidade das instituições e pouco dinamismo da justiça, que trava processos. Isso faz com que sete em cada 10 angolanos considerem que o desempenho do Governo no combate à corrupção no Governo é “bastante mau” ou “muito mau,” e aumentou 14 pontos em relação a 2019.
A não efectivação da Alta Autoridade Contra a Corrupção em nada ajuda o combate deste mal que afecta em grande escala o País, apesar da lei prever a sua criação desde 1996.
A lei n.º 3/96 dá poderes alargados à Alta Autoridade Contra a Corrupção, com a possibilidade de instaurar inquéritos, sindicâncias e realizar diligências de investigação por iniciativa própria ou por denúncia de qualquer cidadão, ainda que a lei faça menção à identificação do delator, algo que limita de forma objectiva a denúncia.
“Já se falou tanto dessa figura, que deveria estar sob alçada da Assembleia Nacional, mas a verdade é que nunca foi implementada e não será implementada. Faltou vontade política e continua a faltar até hoje”, considera o advogado Vicente Pongolola.