Uma carta-convite, com data de 13 de novembro, expressamente endereçada pela organização não-governamental (ONG) britânica Chatham House a Daniel Chapo, candidato presidencial da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), no poder, para participar numa mesa-redonda em dezembro próximo, em Londres (Inglaterra), tem gerado forte polémica.
A iniciativa partiu do Programa para África da referida organização, dirigida pelo conceituado investigador britânico, Alex Vines, que convidou o candidato da FRELIMO a discursar numa mesa-redonda, entre os dias 4 e 6 de dezembro, para expor a sua visão relativamente aos desafios que Moçambique enfrenta.
A controvérsia, de acordo com as reações, prende-se com o facto da referida ONG, na referida carta assinada por Alex Vines, ter felicitado a eleição de Daniel Chapo antes do pronunciamento do Conselho Constitucional após as denúncias de fraude nas eleições gerais de 9 de outubro deste ano e que geraram protestos violentos no país. A carta original, a que a DW África teve acesso, refere, entretanto, que aguarda “com expetativa a validação dos resultados pelo Conselho Constitucional no final deste mês.”
Uma das primeiras reações a este caso veio da ativista política e social Quitéria Guirengane, que considera o convite da Chatham House – um dos observadores internacionais do ato eleitoral –, como “uma interferência nas eleições moçambicanas”.
“Consideramos interferência porque a Chatham House ignora totalmente o facto de Moçambique estar neste momento numa situação de instabilidade sem precedentes na história recente do país”, afirma.
A ativista moçambicana diz, em declarações à DW, que a Chatham House não se apresenta como “um ator” que quer contribuir para a estabilidade em Moçambique, ao “enviar uma mensagem de legitimação” de Chapo, numa altura em que se questiona a verdade eleitoral.
As críticas à ONG britânica justificam-se, na perspetiva de Guirengane pelo facto de “tomar partido” e legitimar a eleição do candidato da FRELIMO. “Não é uma posição que se espera de uma entidade como a Chatham House”, cujos atores “estiveram presentes em várias fases de conflitos neste país”e “conhecem muito bem o contexto de Moçambique”. Para a ativista, esta “foi uma atitude completamente repudiável.”
Guirengane lamenta a impertinência do convite sabendo que “o Conselho Constitucional ainda não validou [estas] eleições” e sublinha que é preciso considerar que “a soberania reside no povo”, que tem estado a “contestar o processo” eleitoral.
“A questão de fundo não é o convite”, precisa. “É que a carta-convite vem a saudar [Daniel Chapo] pela sua eleição”, lamenta.
Convite precipitado e “infeliz”
O sociólogo moçambicano João Feijó lembra que a Chatham House “é uma organização muito antiga e independente”, mas próxima do Ministério dos Negócios Estrangeiros e da comunidade diplomática, que já convidou vários Presidentes de Moçambique, incluindo líderes da oposição. No entanto, o analista sustenta que este é um “convite precipitado” e “um pouco infeliz”.
Isto porque, argumenta, o convite surge “num contexto em que existem evidências de fraude massiva nas eleições, de ilegitimidade dos órgãos de gestão eleitoral, que originaram a maior onda de protestos e o maior levantamento popular de que há memória nestes 49 anos de independência e, ainda por cima, num contexto de violência do Estado contra as populações.”
Na opinião do investigador do Observatório do Meio Rural, para atenuar o atual contexto de crise política, o que se espera é “que o Conselho Constitucional tenha a coragem de, eventualmente, resolver este assunto, admitindo-se a hipótese até de anular as eleições de forma a se respeitar o Estado de Direito.”
João Feijó adianta, por outro lado, que este convite antecipado “também reflete o desejo de grandes economias internacionais de prolongar uma aliança com o partido FRELIMO, que estabelece com o capital internacional estas relações que são relações rendeiras e clientelistas”.
Convite a Venâncio Mondlane?
Num comunicado, citado pelo jornal “Notícias”, de Moçambique, a Chatham House explica que fez o convite a Daniel Chapo na sequência da declaração de vitória feita pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE), reconhecendo, entretanto, que existem recursos apresentados à CNE.
Neste âmbito, a referida ONG esclarece que a presença de Chapo no evento em Londres depende da “validação final dos resultados das eleições de 9 de outubro pelo Conselho Constitucional (CC).”
O analista português Fernando Jorge Cardoso, que já participou nos encontros da Chatham House na qualidade de investigador, explica que esta ONG “não é representante do Governo britânico, nem tem uma agenda política. Ouve toda a gente, por mais legítimo ou ilegítimo que seja”, com o objetivo de compreender os factos com objetividade.
“O facto de convidarem o Daniel Chapo não significa que a Chatham House reconhece os resultados de quaisquer eleições. Isto significa que eles convidaram alguém que faz parte do processo para discutirem e debaterem com ele” a situação em Moçambique, diz o investigador.
O especialista em Assuntos Africanos da Universidade Autónoma de Lisboa lembra que a Chatham House faz reuniões com políticos, empresários e personalidades importantes de diversas ideologias. E admite que, tal como agora acontece com Daniel Chapo, igual procedimento poderá, eventualmente, ser usado em relação a Venâncio Mondlane.
“Imaginemos que eles convidam o Venâncio Mondlane, podemos tirar a mesma conclusão. Eu não sei se eles não irão convidar também Venâncio Mondlane. Não faço a mínima ideia”, comenta Fernando Cardoso.
Para o especialista, “não há que retirar daí conclusões de que há um posicionamento político a favor da FRELIMO, contra a FRELIMO, ou um reconhecimento implícito que Daniel Chapo ganhou as eleições.”