Em 2012, a UNITA, através de Adalberto da Costa Júnior, afirmou ao “Folha 8” não haver nenhum pacto secreto com o MPLA. Creio que apenas se registou um fenómeno africano: a mangueira deu loengos.
Por Orlando Castro
As dúvidas estavam patentes no processo de devolução do património da UNITA, confiscado pelo Governo durante o conflito armado e que constam, entre outras cláusulas, da rendição do Galo Negro, também chamada de Acordos de Paz entre as partes.
O calibre dos então negociadores de um pacote de 95 milhões de dólares não deixa dúvidas: general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior, “Kopelipa”, chefe da Casa Militar, general Leopoldino Fragoso, “Dino”, assessor do chefe da Casa Militar, Daniel Mingas, da Inteligência da Casa Militar por parte do MPLA, Adalberto da Costa Júnior, secretário do património, Cláudio Silva, secretário para os Assuntos Constitucionais e Demonsthenes Amós Chilingutila, membro da Comissão Permanente, por parte da UNITA.
Só na cidade de Luanda, mais de 80 edifícios, pertença da UNITA, foram usurpados pelos homens do poder. Quando se rendeu, a UNITA julgou que o regime angolano era uma entidade séria e que o país era um Estado de Direito. Estava a dormir (como dizia Jonas Savimbi) e foi, mais uma vez, enganada. E o mais grave é que alguns dos seus dirigentes da altura sabiam que estavam a ser enganados.
Esses dirigentes preferiram trocar a mandioca do seu país real pela lagosta do país do MPLA, os banhos no rio Cunene por banhos em água mineral… importada.
Repetindo o que há muito é sabido, os dirigentes do Partido do Galo Negro, em Luanda, acusaram o Governo angolano de agir com má-fé no processo de devolução do património pertença da UNITA.
Adalberto da Costa Júnior chegou a dizer à “Voz da América” que o seu partido iria recorrer às instâncias judiciais nacionais e internacionais (ainda recentemente ouvimos o mesmo discurso) para reaver o seu património que se encontra injustamente nas mãos de altas individualidades do poder político e de alguns generais.
“O que ocorreu é, infelizmente, fruto do período de guerra, o património da UNITA foi sendo ocupado pelas instituições e uma boa parte também por dirigentes ligados ao poder político e por militares, facto este que foi igualmente bastante analisado durante os acordos de paz. O Governo angolano, até aqui, não cumpriu com os pressupostos”, disse Adalberto da Costa Júnior.
Pois. Não cumpriu, e tenho dúvidas que venha a cumprir de facto, a não ser que seja a troco de qualquer coisa menos ortodoxa. Acresce que também o povo angolano sabe muito bem como é gerido o seu país. E tanto sabe que, ao ser traído pela UNITA, resolveu “aliar-se” ao inimigo. Se os supostos amigos fizeram o que fizeram, era natural que tivessem de pagar a factura.
Além disso, não seria mau que a UNITA também dissesse que muitos dos seus generais que passaram para o outro lado da barricada, e que inclusive ajudaram a assassinar Jonas Savimbi, são os “legítimos” donos de parte desse património.
Ou, ainda, que explicasse como é que, entre outros, alguns dos seus generais (dos que estiveram até ao fim com o Mais Velho) são hoje dos homens mais ricos de Angola.
Adalberto da Costa Júnior tem desempenhado as suas funções o melhor que, certamente, sabe. Pena é que, para além de uma manifesta perda de memória em relação aos seus “irmãos” aposte mais, ou quase só, na reacção em vez de na acção.
Dele esperava-se (esperava eu que continuo ingénuo) mais do que andar a reboque dos acontecimentos. Acredito que, eventualmente por ordens superiores, Adalberto da Costa Júnior não possa fazer tudo o que queria ou, penso, o que sabe que deveria ser feito.
Adalberto da Costa Júnior teve uma boa escola mas, não sei se voluntariamente, deixou de regar, de adubar e de podar a árvore, convencido que ela sobreviveria só por si.
Mas se isso é grave, mais grave é ficar à espera que a mangueira dê loengos. Esperou, como é típico, sentado. Quando alguns, de boa-fé, lhe disseram que assim não ia lá, resolveu não reconhecer a verdade, culpando o mensageiro e não lendo a mensagem.
“A UNITA será poder em Angola no dia em que os angolanos o quiserem. Porque a UNITA é pertença do povo angolano”.
Quem terá dito isto? Poderia, creio eu, ter sido Jonas Savimbi, mas foi Anastácio Sicato em entrevista ao “Notícias Lusófonas”, publicado em 26 de Junho de 2006.
Sicato acrescentava: “No nosso país, o processo de democratização é irreversível. Ora, a alternância de poder é uma característica inerente aos sistemas democráticos”.
Tirando a esperança idílica de que em Angola a “democratização ser irreversível”, o que é facto é que a alternância de poder faz-se desde 1975 entre o MPLA e o… MPLA.
As afirmações de Anastácio Sicato continuam actuais, sobretudo porque a travessia do deserto continua, embora sem a pujança da grande marcha de outros tempos. Sobretudo porque, desde 2002, a UNITA continua a ir de derrota em derrota sem vislumbrar onde, quando ou como, chegará a primeira vitória.
Será que a UNITA tem feito alguma coisa para ser, ou tentar ser, alternativa? Falo de coisas concretas, de projectos viáveis, de iniciativas com cabeça, tronco e membros. Provavelmente por manifesta ignorância da minha parte, não vi a UNITA dar contributos para que os angolanos, no interior e no exterior, nela acreditem.
Anastácio Sicato dizia na referida entrevista, dada ao jornalista Jorge Eurico, que “tarde ou cedo, o MPLA e o Presidente José Eduardo dos Santos acabarão por ceder o poder a outros”.
Mas será que a UNITA está apostada em fazer com que se antecipe a alternância? Até agora falhou em todas as frentes. Não foi o MPLA que ganhou, mas foi — isso sim — a UNITA que perdeu.
A UNITA está à espera de que o poder em Angola caia de maduro, pouco fazendo para mostrar aos angolanos que quando o fruto não presta deve ser retirado mesmo verde. Nada disso tem sido feito. E, a agir dessa forma, corre o sério risco de um dia ficar ao nível da FNLA.
Quando vejo que a UNITA, ao contrário do MPLA, desperdiça tantos e tantos valores que lhe são afectos e que estão espalhados por esse mundo fora, fico com a ideia de que a alternância, se acontecer, se deverá mais, ou sobretudo, à incapacidade do MPLA do que à acção da UNITA.
Não basta, como disse Sicato, afirmar “que a verdadeira soberania pertence ao povo e a mais ninguém”. É preciso que o povo saiba que tem esse poder e, mais importante, saiba quais são as alternativas. Nas eleições (se é que assim se podem chamar) o povo não viu qualidades alternativas e preferiu mais do mesmo. Em 2012, ao que parece, a receita vai repetir-se.
Não chega, digo eu, dizer que “só a alternância consolida os regimes democráticos”. A alternância não se compra, conquista-se. E para a conquistar é preciso trabalhar muito. Muito mesmo, sobretudo longe da lagosta e perto da mandioca.